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Os Romeiros de Bom Jesus da Lapa

Por Reginaldo Spínola
               Uma viagem por suas histórias de fé, devoção e amor                                   
                                                              
 Por: Luiz Pedro Passos e Priscila Bittencourt
A noite é misteriosa, assim como a fé. Uma esconde o concreto e que, portanto, pode ser percebido pelo olhar. A segunda revela, desnuda o inimaginável, que pode fugir a nossa razão. Mas as duas permitem se encontrar.
Segunda-feira, meia-noite, vozes e sussurros quebram o silêncio que nasce com as estrelas para apresentar as diversas histórias dos romeiros da cidade de Bom Jesus da Lapa. As ruas em Itambé estavam vazias. Nenhuma alma viva. Mais a frente um ônibus aparece feito um sinal, anunciando que a viagem em breve começaria. 
Alguns dos passageiros, que logo estariam acomodados em seus bancos confortáveis no ônibus, 16 no total, todos da pequena cidade de Ribeirão do Largo e da vizinha Itapetinga, estavam do outro lado de um portão entreaberto.
Batemos, batemos e dois minutos depois fomos atendidos por um dos donos da casa. Apresentamo-nos e dizemos o objetivo da visita. Ocultamos a verdade, aquela que havia nos retirado da cama, do sono, dos sonhos, para estarmos alí. Desejávamos conhecer um pouco mais do homem para entendermos melhor a humanidade.
Dentro da residência encontramos pessoas simples, humildes, mas que carregavam em si grandes sabedorias, grandes histórias. Num primeiro momento nos sentimos “gaiatos no navio”.

O jovem Iuri Nolasco, responsável pela caravana, nos ajudou e fez com que o diálogo fluísse. Ele nos contou sobre as romarias anteriores. “São mais de 25 anos de viagem rumo a Lapa”, afirmou o jovem. Uma viagem, que segundo Iuri, tem a missão de promover a confraternização entre os passageiros.
– Em uma dessas viagens, nós fizemos a dinâmica do anjo. Cada um dos passageiros tinha um amigo para proteger e no final trocávamos presentes simbólicos: terços, imagens, fitas; para que aquele momento pudesse ficar vivo, contou Iuri contente, revelando que um dos passageiros passou um ano rezando pelo amigo que protegia.
Mas as estórias não morrem assim facilmente. Senhor Euflosino, de 64 anos, se lembra de muitos detalhes das suas 43 peregrinações realizadas à Bom Jesus da Lapa com um enorme sorriso no rosto.
– A primeira vez que fui para Lapa eu tinha nove anos. Eu era morador de Riacho do Meio. Fui a pé até lá. Catorze dias de estradas para ir e outros catorze para voltar.

É a fé que move o homem e que leva milhares a cometerem provas de amor verdadeiras. Um amor pelo que não é preciso ver de fato, apenas entender. Acredita-se, um amor correspondido.
– Já paguei promessas. O Bom Jesus sempre me dá o que peço, confessa Seu Euflosino, que ainda afirma: vou à Lapa porque acho bonito; porque sou bonito, brinca o senhor, que leva todos às gargalhadas.
O clima é bom e a prosa segue com causos, versos e poesias. A misteriosa rima agora sim ficará completa. Ele é um dos personagens que passam e deixam marcas. Leva um chapéu de palha na cabeça, tentando esconder seus cabelos brancos da idade e das experiências. Experiências de vida que se expandirá mais tarde, quando a romaria sair, pois é primeira vez que “Seu Vavá” irá visitar Bom Jesus da Lapa. Um fato que é impossível não perceber em Seu Vavá é a sua alegria e amor pela poesia.
Lourival Teixeira, 69 anos, lavrador, grau de instrução: ensino fundamental incompleto. Apelidado de Vavá poeta. Se tivesse ido pelo menos umas cinco vezes à Lapa, já teria escrito um livro de gaveta, pelo menos.
Seu Vavá nos conta uma das suas poesias, que fala de envelhecer:
– Admiro a juventude não querer envelhecer, velho ninguém quer ficar, novo ninguém quer morrer. Se só é velho quem vive, bom então mesmo é ser velho e viver. Muitos jovens às vezes discriminam, ou tratam a pessoa idosa com desdém, mas não sabendo que se não morrer novo, vai ficar velho também. Eu não tenho tristeza em já estar na terceira idade e falo sem me arrepender, porque com saúde, o bom mesmo é viver.
Após dizer os versos, palmas surgiram, todos ao redor admirados com a forma em que as palavras se ligavam facilmente à fala de Seu Vavá, que pretende contar histórias de suas vivências da viagem escrevendo poesias.
Pelo menos vinte ônibus rumo à Bom Jesus da Lapa sairão de Itambé. – Não tem mais caminhão, lembra Iuri, referindo-se aos antigos paus-de-arara que ajudavam os itambeenses  a chegarem a Lapa. – No caminhão era uma viagem bonita, defende uma senhora que carrega em seu braço esquerdo um terço branco. – Porém sofrida, argumenta Iuri.
            A conversa é animada. Todos estavam sentados em cadeiras ou no chão. Eis que surge de repente uma senhora com um vestido branco, parecia uma santa. Certamente ela é uma pagadora de promessas, dessas que conseguem demonstrar facilmente a grande fé popular.
            Mais de uma hora da manhã, quase hora de partir. As pessoas começam a se dispersarem pela casa, em que eles estavam desde cedo. Saímos pelo corredor que dava acesso à frente da casa, onde está o ônibus. Lá encontramos mais pessoas, desta vez de Itambé, chegando com isopor na cabeça, com suas malas, e procurando seus lugares.  Avistamos algumas crianças. Percebemos a ansiedade nos rostos e notamos que ela é igual a das pessoas que estavam alí desde cedo. Todos querem colocar logo os seus pés em um solo tido como sagrado.
A conversa toma conta da noite silenciosa. Crianças chamam pelo pai que vai ficar. O organizador pergunta se tudo está correndo bem. Escutamos o adeus de quem sentirá saudades de suas mães, pais e avós.   A turma entra no ônibus e ocupa seus lugares um por um. Os preparativos estão por acabar. Um cartaz que leva a frase “Bom Jesus, filho amado de Deus pai”, é colado no para-brisa do veículo que os transportará. O motorista liga o ônibus para esquentar os motores. A fumaça se mistura com a névoa que se formou com o clima frio da noite. Todos acomodados, o foguetório e o ronco do motor anunciam que “lá vai saindo a romaria em paz, lá vai saindo a romaria de amor”.
Este é um conto-reportagem, escrito para a disciplina de Análise e Produção de Narrativas Jornalísticas do curso de Comunicação Social da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.
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2 Comentários

Anônimo 10 de agosto de 2011 - 00:14

Luís Pedro, a viagem a romaria do Bom Jesus, faz parte do calendário cultural do nosso povo de Itambé, a sua iniciativa foi ótima, quem já foi a romaria e leu a mensagem deve está revivendo tudo e quem ainda não teve a oportunidade, com certeza foi despertado a vivenciar esse grande momento de Fé. Agora faltou uma coisa, pegue fotos com os rumeiros e coloca ai, vou aguardar. Eu que sempre participo, terei a chance de pegar algumas fotos, inclusive as da procissão, que é o grande momento da Festa.

Anônimo 7 de agosto de 2011 - 22:05

parabéns luiz..belo texto..me fez viajar a pelo menos uns 35 anos,minha primeira viagem à lapa.aki em sp assisti pela tv aparecida,a grande festa do dia 6.e minha mãe estava la.tentei encontrá-la naquela multidão mas foi inútil..rsrs.parabéns!!

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