Início Brasil “De preto só gosto de Coca Cola” relata professora negra ofendida por mãe de aluna em MG

“De preto só gosto de Coca Cola” relata professora negra ofendida por mãe de aluna em MG

Por Reginaldo Spínola

O que era para ser uma nova experiência profissional se tornou dias de humilhação e preocupação para duas professoras negras de Araporã/MG, a 125 km de Uberlândia. Nesta semana, as educadoras foram alvo de preconceito racial por parte da mãe de alunas da rede municipal de ensino. O caso agora é investigado pela Polícia Civil e mereceu nota de repúdio por parte da prefeitura. A prefeita Renata Borges se juntou a um movimento virtual contra o racismo e rechaçou os áudios de manifestação racista.

“EU E MINHA AMIGA FOMOS REMANEJADAS PARA OUTRAS ESCOLAS. ESSA MÃE TEM DUAS FILHAS- UMA EM CADA INSTITUIÇÃO- E, QUANDO SOUBE DAS MUDANÇAS, ENVIOU ÁUDIOS PARA UMA COLEGA NOSSA, QUE TAMBÉM É PROFESSORA. EU TIVE ACESSO A ELES NA TERÇA-FEIRA [22] E AINDA TENHO DIFICULDADES PARA TOCAR NESSE ASSUNTO. FOI UMA HUMILHAÇÃO IRREPARÁVEL E ESTOU A CADA DIA MAIS ABATIDA”, CONTOU NESTA SEXTA-FEIRA (25) AO G1 ROBERTA RENOUT, DE 36 ANOS, UMAS DAS PROFESSORAS AGREDIDAS.

A professora do segundo ano do ensino fundamental conta ter sido transferida de escola recentemente por decisão da Secretaria Municipal de Educação. No entanto, ela soube na última terça-feira (22) que sua chegada à nova escola desagradou uma das mães pelo fato de ser negra. A descoberta foi feita porque a mãe enviou para outra professora áudios pelo WhatsApp com diversas ofensas racistas. Os arquivos viralizaram nas redes sociais.

Manifestação de racismo em Araporã recebeu críticas por parte de moradores e posicionamento da prefeitura

Áudios expuseram racismo

Nos áudios, a mulher conta à antiga professora da turma que foi até a escola contestar as mudanças e que achava ruim a saída da servidora para a entrada de uma educadora negra na sala do quinto ano, pois não gostava de pessoas negras. A mulher ainda disse que foi até a escola da outra filha e ficou sabendo que Roberta, também negra, tinha assumido a turma.

“AGORA É UMA TAL DE ROBERTA RENOUT. NEGA FEIA DO BEIÇO REVIRADO. PRA PASSAR BATOM NAQUELE BEIÇO, GASTA UNS QUATRO. […] EU NÃO DOU CERTO COM PRETO. […] DE PRETO, EU SÓ GOSTO DE COCA ZERO PORQUE TENHO DIABETES. EU NÃO ‘TÔ’ AGRADANDO DISSO NÃO [SIC]. NÃO GOSTO DE PRETO MESMO. TODOS [EM] QUE CHEGO PERTO É ‘SUBAQUENTO’”, DISSE A MULHER EM ALGUNS TRECHOS DA CONVERSA.

Em determinado momento, uma criança, aparentemente aluna de uma das professoras, interfere no áudio da mãe e diz: “Que chato, tia. Tudo negra, tudo preto.” A mulher também usou palavras ofensivas para criticar a prefeita Renata Borges por autorizar o remanejamento das servidoras.

Investigações

Roberta registrou boletim de ocorrência na Polícia Militar (PM) e o caso foi repassado à Polícia Civil para instauração do inquérito. O delegado Armando Papacídero, que conduz as investigações, disse que as duas vítimas já foram ouvidas e aguarda o agendamento para ouvir a investigada.

Conforme o delegado, o advogado de defesa da suspeita procurou a delegacia ainda nesta semana e solicitou que a oitiva fosse feita em outro local por temer possível linchamento da cliente pela população. Segundo o delegado, a mulher poderá responder pelos crimes de injúria racial e racismo.

“Estamos aguardando a análise dos áudios pela perícia e precisamos ouvi-la, para depois evidenciar o dolo praticado. Mas a gente visualiza que ela tem a possibilidade de responder pelas duas vertentes porque, além das ofensas às professoras, ela também se dirige a um grupo de pessoas”, disse o delegado.

Até a publicação desta reportagem, a mulher investigada e o advogado não foram encontrados para se manifestarem sobre o caso.

Apoio e comoção

Com a repercussão dos áudios, várias pessoas da cidade se mobilizaram nas redes sociais em solidariedade às servidoras. Diversas mensagens de apoio, comentários, textos de conscientização e mudança na foto de perfil com os dizeres “diga não ao preconceito” e “contra o racismo” são alguns exemplos da comoção gerada na cidade pelo caso.

A prefeita Renata Borges também alterou a foto de perfil em rede social para uma versão com os dizeres “Diga não. Contra o racismo” e publicou uma mensagem para as professoras.

“Quero me solidarizar com nossas professoras, que sofreram esse tipo de racismo, preconceito e crime e precisamos realmente assumir posição e punir pessoas que fala o que vem a boca sem respeitar a família e o sentimento das pessoas”, escreveu Renata. “Quanto às ofensas que fez à minha pessoa, gostaria que [a mãe suspeita da autoria dos áudios] me respeitasse da mesma forma que eu a respeito. Infelizmente temos dois ouvidos pra escutar tanta bobagem #contraoracismo.”

Prefeita de Araporã também se manifestou nesta semana sobre caso de racismo contra professoras (Foto: Reprodução/Facebook/Renata Borges)

A Prefeitura Municipal de Araporã emitiu uma nota de repúdio pelas demonstrações de racismo divulgadas contra as professoras, informando que a administração não compactua e não aceita que ataques com base em preconceitos raciais, sociais, de gênero, de orientação sexual ou de credo sejam feitos em qualquer espaço público ou contra servidores municipais.

O Município reforçou ainda que se solidariza com as profissionais de educação atacadas e informou manter o compromisso em atuar de forma implacável contra mensagens de ódio e preconceito, não somente no ambiente escolar, como em todos os espaços da Administração, empenhando-se em promover uma política de respeito aos direitos humanos.

Roberta contou que também tem recebido apoio dos alunos e ex-alunos, bem como de colegas de trabalho. Ela disse que a solidariedade das pessoas é o que tem dado forças a ela e à colega para que não se calem diante do preconceito e discriminação.

“FOMOS HUMILHADAS. É UM SENTIMENTO DE FRAQUEZA E ANGÚSTIA, MAS ENCONTRO FORÇAS NA MINHA FAMÍLIA, NO APOIO QUE TENHO RECEBIDO DE TODOS E NO AMOR PELA MINHA PROFISSÃO. SOU FORMADORA DE OPINIÃO, TENHO A RESPONSABILIDADE DE PROMOVER A CONSCIENTIZAÇÃO AOS MEUS ALUNOS E ENSINO QUE PODEMOS CONVIVER TODO MUNDO DE FORMA IGUAL. A GENTE PRECISA DE ALGUÉM PRA DAR O GRITO E JAMAIS PODEMOS DEIXAR O RACISMO SE APODERAR DE QUALQUER SER HUMANO”, OBSERVOU ROBERTA.

(Minas Hoje)

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