Início Noticias A infância em Canudos

A infância em Canudos

Por Reginaldo Spínola

Do
cenário de guerra ao cenário de esperança
No
final do século XIX, em meio a fome e a seca enfrentada pelos nordestinos
brasileiros, um grupo de pessoas, formado por homens, mulheres e crianças, fortalecidos
pela fé, se unem para lutar por ideais comuns. Tinham como líder maior Antônio Vicente Mendes Maciel, o Antônio Conselheiro. No pequeno
povoado de Canudos, situado no norte da Bahia, se instalaram. Alí vivia cerca
de 25.000 pessoas.

Os conselheristas, como ficaram sendo
chamados, contestavam a recém-instalada república, a consideravam uma espécie de
materialização do reino do anti-cristo; eram contrários ao poderio exercido
pela igreja Católica naquela época. Estes foram alguns dos elementos que
levaram o governo brasileiro a vê-los com outros olhos e consequentemente dar
início a contenção do movimento que vinha crescendo vertiginosamente, empregando
a força e a violência. Para isso empreenderam quatro expedições que marcharam
rumo a Canudos. Nas três primeiras foram derrotados. Mas em 1º de outubro de
1897 a última delas invadiu e queimou todo o povoado. Antes disso, Conselheiro
deu os seus últimos suspiros de resistência. Acometido por uma diarreia, falece
no dia 22 de setembro. A guerra de Canudos deixou mais de 25.000 mortes.

Hoje ao chegar em Canudos é impossível
que não venha a tona nas mentes das pessoas as cenas de horror, ódio e barbárie
que se passaram naquele lugar. A terra seca e amarela durante os confrontos foi
umidificada e colorida pelo sangue de muitos inocentes. Até mesmo de
crianças, que tiveram as suas infâncias perdidas e suas histórias roubadas.
Aquelas que conseguiram se salvar foram extraviadas e distribuídas, órfãs ou
não, pelos militares. Relatos dão conta que estas eram encontradas em condições
subumanas: feridas, esqueléticas, nuas, morrendo de fome. Inúmeras tiveram os
seus corpos transformados em mercadorias.
O governo brasileiro tem uma dívida histórica
com Canudos. O pagamento vem sendo feito de acordo as suas intenções e
conveniências. Sob a ótica desenvolvimentista, em 1950, Vargas mandou construir
uma barragem que minimizaria o sofrimento dos latifundiários e dos demais
cidadãos. Era a chance dos canudenses poderem, enfim, desfrutarem de uma nova
vida. Este sonho, porém, foi por água a baixo. As águas da barragem inundaram o
velho povoado, palco da coragem e da resistência do sertanejo, e expulsou os
últimos remanescentes da guerra. De uma só vez, Canudos de Conselheiro e a nova
Canudos que nascia em meio às cinzas, juntamente com a história, desapareceram. A atual Canudos foi emancipada em 1985 e
surgiu a partir do vilarejo de Cocorobó. Os seus 15.732 habitantes, contabilizados
pelo censo 2010 do IBGE, assistem de perto ao andamento da obra de pavimentação asfáltica
da principal rodovia que dá acesso ao município, o que poderá fazer com que
aumente o fluxo de turistas ao local. Para as crianças, os projetos sociais
mantidos pela prefeitura em parceria com o estado e o governo federal tentam transformar
uma realidade ainda marcada por problemas advindos da extrema pobreza e das
injustiças que cercam o Brasil. 
Bruno Oliveira, de 12 anos, é um pequeno
cidadão de Canudos, estudante da 6ª série do ensino fundamental. Ele não
participa de nenhum projeto social. Nas suas horas vagas brinca com os amigos
de futebol. Mesmo assim ele reconhece que tais propostas governamentais são
fundamentais para o futuro das crianças. Canudos dispõe de quatro projetos
sociais: o Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), o Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), o Projovem Adolescente e o Centro
Especializado de Assistência Social (CREAS). Todos eles trabalham buscando
contribuir para a melhoria da qualidade de vida das famílias, principalmente
daquelas que são socialmente vulneráveis.
Foto retirada por Bárbara Jardim, estudante do 3º semestre do curso de Comunicação da UESB, em Canudos
Ao ser indagado sobre o que achava do
trabalho infantil, Bruno não hesitou em responder enfaticamente: “Não acho certo,
porque explora as crianças. Nós só devemos trabalhar na fase adulta”. 
Bruno estuda. Bruno não trabalha. Bruno
quer cursar uma faculdade. Ele quer ser jogador de futebol. “Tenho um timinho;
treino todos os dias”, diz ele com um largo sorriso no rosto.
Os planos que o menino faz para o futuro
são muitos. A vontade de vencer parece ser ainda maior. A trajetória de
superação de um guerreiro o incentiva. Seu ídolo não é o Ronaldo, e sim o Antônio.
“Admiro o Conselheiro por sua coragem e bravura para defender o seu povo”,
relata.
Se para o garoto os projetos sociais são
bons, e para as mães? Fomos buscar respostas junto de duas mulheres que tomavam
uma fresca, sentadas debaixo da sombra de uma árvore. Lado a lado a experiência
de Maria Glória Lima, 56 anos, professora aposentada, e a juventude de Sinadeja
Maia, bibliotecária. A primeira tem 5 filhos e 10 netos. A segunda é mãe de
três crianças.
Dona Maria acredita que os projetos
sociais mudaram a cara de Canudos ao oportunizar aos seus usuários a
participação em oficinas esportivas e culturais. Mas alerta para o fato de que
é preciso realizar novos esforços no intuito de se combater às drogas e a
exploração sexual infanto-juvenil daquele território.
“A gente fica um pouco temerosa por
conta das drogas e da prostituição infantil. Vemos as famílias deixando de discutir
essas problemáticas. Vemos a sociedade muitas das vezes sendo conivente com o
mal, fechando os seus olhos”, desabafa Sinadeja.
Para reforçar o exposto, a bibliotecária
contou a história de uma menina de 14 anos, moradora do perímetro irrigado do
Vasa Barris, em Canudos.  Segundo ela, a
adolescente era frequentemente abusada por um senhor, morador da mesma região. “Não
sabíamos como resolver o caso; ficávamos de mãos atadas”, lamenta.
Dona Maria e Sinadeja são duas mães canudenses
que sonham não simplesmente com um mundo melhor pra se viver, mas ensinam seus
filhos e netos como eles podem ser melhores para o mundo. Por certo, esta
também deve ser a lei norteadora da mãe do Bruno, o menino que tem ideias de
gente grande. Para o futuro, o garoto espera que Canudos não seja tão violenta
como foi no passado. Apela para que os governantes aumentem os investimentos em
educação. E pede às crianças que virão depois dele pra serem solidárias. 
Ainda há muito o que fazer por Canudos.
Bruno sabiamente apontou algumas coisas e demonstrou o quanto é humano. Ao
encaminharmos para o hotel, onde estávamos hospedados, uma canção da Legião
Urbana, que vinha de um salão de beleza chamado Embelezart, a arte de
transformar, parece que reafirmou todos os pedidos assinados por Bruno: “É
preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã…”.
Este é um conto-reportagem, escrito para a disciplina de Análise e Produção de Narrativas Jornalísticas do curso de Comunicação Social da UESB.  

Imagens de Canudos 

Compartilhe esse post com seus amigos

mais Postagens interessantes

Usamos cookies para personalizar e melhorar sua experiência em nosso site. Ao clicar em "aceitar" assumiremos que você concorda com o uso que fazemos dos cookies. Concordo Clique AQUI e tenha mais informações

Política de Privacidade