Uruçuca é um município de apenas 20,5 mil habitantes, no Sul do estado, no coração da região cacaueira, entre Ilhéus e Itacaré. Nesta pequena cidade vem sendo escrita a história mais triste da covid-19 na Bahia. São 83 casos confirmados e 9 mortes, o que leva a uma assustadora taxa de mortalidade de 10,8%, ou 43,9 a cada 100 mil habitantes. Para se ter ideia, a média do país é de 6,6% de letalidade e de 9,5 por 100 mil habitantes.
Na Bahia, os mesmos índices são de 3,5% e 2,5, respectivamente. Uruçuca é uma união de tudo o que pode prejudicar o combate à doença. Pessoas que escondem sintomas, desrespeito ao distanciamento social, ausência de uma estrutura básica de atendimento e dificuldades na transferência de pacientes para hospitais. A cidade dispõe apenas de um pronto-socorro municipal, o Promater, para atender a população. Não há leitos hospitalares, muito menos de UTI. Qualquer caso de média complexidade precisa ser encaminhado para Ilhéus, a 36 km.
Os problemas na transferência de pacientes, a chamada regulação no jargão da saúde, estão diretamente ligados a três das nove mortes. São pessoas que morreram no pronto-socorro de Uruçuca, aguardando por um leito. O Ministério Público está acompanhando os casos. Essa dependência não só de Ilhéus, mas também de Itabuna, que fica a 40 km, não ajuda. As metrópoles regionais são dois dos maiores focos da covid-19, segunda e terceira cidades com mais casos na Bahia. Foi assim que surgiram os primeiros casos em Uruçuca.
O mesmo pronto-socorro é a maternidade da cidade e tornou-se um foco de contaminação do coronavírus em Uruçuca. Por ser o único no município, as pessoas com sintomas de covid-19 eram atendidas lado a lado de pessoas que apresentavam qualquer outro problema de saúde. “Lá acaba embolando todo mundo.
Você entra com dor de barriga e sai com coronavírus”, continua Clemilton. Ele perdeu a avó, Alzira, por causa da doença, no domingo (17). Outros familiares estão infectados. Muitos profissionais do pronto-socorro também atuam no Hospital Regional Costa do Cacau, em Ilhéus. A unidade é referência na região para atendimentos em geral e tornou-se o principal internamento para casos de covid-19 no Sul.
O Costa do Cacau viveu um surto de contaminação de profissionais e pacientes. Além disso, o fluxo de moradores que vão realizar atendimento lá e retornam para a cidade é intenso. De qualquer forma, a população de Uruçuca começou a evitar o pronto-socorro. “Se você estivesse com sua mãe hipertensa, com idade do grupo de risco, você ia levar no Promater sabendo que tem essa contaminação de covid?”, reflete Ediley Brito, morador da cidade.
O pronto-socorro é mantido com recursos do município e não possuía equipamentos de proteção e de isolamento à altura da crise. O prefeito, Moacyr Leite Júnior, e sua equipe, reconhecem o problema. O medo da unidade ou de ser enviado para o Hospital Costa do Cacau teria piorado outro problema da cidade: pessoas que escondem os sintomas e não procuram assistência.
O episódio mais triste disso levou à morte de Rejane Santana, 36 anos. Funcionária de uma clínica particular de Uruçuca, ela sofreu durante uma semana, sozinha, em casa. “Ela escondeu os sintomas da própria família. Quando procurou o pronto-socorro, estava num estado muito grave. O médico de plantão pôs ela na ambulância do município e a acompanhou até o Costa do Cacau.
Chegou a dar entrada lá, mas faleceu pouco depois”, narra o prefeito. Rejane era obesa e diabética. Faleceu no dia 22 de abril. As circunstâncias da morte de Rejane chocaram a cidade: “Era um amor de pessoa, querida por todo mundo. Teve aplauso pela cidade com o corpo dela passando de carro. Foi através dela que o pessoal se ligou mais. Antes, estavam achando que só idoso morria”, conta Gil Baiano, atleta de futebol da cidade.
Esse comportamento da população pode explicar a alta taxa de mortalidade de Uruçuca, equivalente à de Manaus, que tem 9% de taxa de letalidade e 48,4 em 100 mil habitantes. Segundo os técnicos do município, é provável que existam muito mais casos do que os 83 confirmados. Para que a taxa de mortalidade de Uruçuca estivesse proporcional à da Bahia (3,5%), seria necessário que houvesse pelo menos 254 infectados, três vezes mais do que o registrado. “Esse é um perfil que a gente nota também nas pessoas que foram encaminhadas para tratamento em hospitais. São casos que estavam subnotificados porque as pessoas não comunicaram ao sistema de saúde no início dos sintomas”, lamenta o diretor.
Segundo Marcílio, Uruçuca tem aplicado testes seguindo as notas técnicas emitidas pela Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab). Os testes são enviados pelo núcleo regional de saúde de Ilhéus de acordo com o número de notificações. Somente no dia 12 de maio, quando Uruçuca já contava com 57 casos confirmados e seis óbitos, a prefeitura conseguiu inaugurar outra unidade de saúde, exclusiva para regular os suspeitos de covid-19 para hospitais da região. A demora ocorreu porque o município contou apenas com recursos próprios.
Correio da Bahia