Início Bahia Bahia registrou quase 2 mil denúncias de violência contra crianças em 2021

Bahia registrou quase 2 mil denúncias de violência contra crianças em 2021

Por Reginaldo Spínola

Diante do número de casos de violência doméstica contra crianças e adolescentes, a Associação dos Magistrados da Bahia (Amab) lançou uma campanha para alertar a sociedade sobre essa triste realidade. A Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos registrou, somente nos primeiros cinco meses de 2021, 1.991 denúncias de violência infanto-juvenil na Bahia. Em mais de 90% dos casos, as agressões ocorreram na casa das vítimas.

As formas de violência contra crianças e adolescentes são as mais diversas. Entre elas estão a violência física, violência sexual, violência psicológica, a negligência, o bullying e o cyberbullying. A lei 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seus artigos de 15 a 18, declara que a criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas, incluindo a inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral. É dever de todos, na sociedade, velar pela dignidade destes, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. Eles têm o direito, inclusive, de ser educados e cuidados sem o uso de qualquer castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina ou qualquer outro pretexto, pelos pais, integrantes da família, agentes públicos ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles.

Os dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos mostram que entre janeiro e maio, em todo o país, foram mais de 39,8 mil denúncias ao Disque 100 e ao Ligue 180, em função de violência infanto-juvenil. Em 2020, foram 95,2 mil denúncias, e 4,4 mil delas registradas na Bahia.

De acordo com juíza Ailze Botelho Almeida, da 2ª Vara dos Feitos Relativos aos Crimes Praticados contra Criança e Adolescente de Salvador, a situação de violência se agrava com a pandemia, diante do isolamento social. “Muitas vezes as primeiras pessoas a tomarem conhecimento dos crimes são profissionais de educação. Com as vítimas fora desse ambiente escolar, e, por vezes, as famílias resistem em procurar as autoridades para denunciar, os números de casos que chegam até a Justiça nesse período diminuiu”, afirmou. No ano de 2020, a Vara da magistrada recebeu apenas 219 novos casos, uma redução de mais de 50% se comparado ao ano anterior. Até 16 de junho deste ano, foram distribuídos 105 processos.

Juíza Sandra Magali Brito Silva Mendonça | Foto: Divulgação

 A juíza Sandra Magali Brito Silva Mendonça, da Vara da Infância e da Juventude de Ilhéus, afirma que a realidade socioeconômica não toca diretamente na questão da violência infanto-juvenil, tanto que famílias de todas as classes sociais praticam violações como forma de educar ou punir, muitas vezes se excedendo e chegando a situações de óbito de crianças e adolescentes. Em Ilhéus, por exemplo, a maioria das denúncias é com relação à violência sexual, pois muitos casos de violência física, como maus tratos, não são denunciados, o que indica subnotificação de casos.

“Muitos pais acreditam que têm direito de agredir, de bater. Acham que podem educar através da violência. Infelizmente muitas crianças crescem neste tipo de ambiente, o que reverbera em questões de ordem psicológica e na reprodução dessa cultura, que não conseguimos interromper”, avalia a magistrada. Para ela, pessoas que hoje são violentas no meio social muitas vezes foram vítimas da violência, receberam orientação de que as coisas podem ser resolvidas através da agressão. Ela enfatiza a necessidade de todos trabalharem para uma sociedade mais pacífica e esse trabalho se inicia em casa, nos ambientes escolares e nos ambientes onde as crianças transitam.

Já o juiz Arnaldo José Lemos de Souza, da 1ª Vara dos Feitos Relativos aos Crimes Praticados contra Criança e Adolescente de Salvador, ratifica que a violência infanto-juvenil ainda é um reflexo cultural. “Entendo que é necessário ser feito um trabalho, sobretudo nas escolas, de educação sexual, para que as crianças e adolescentes tenham uma melhor percepção do que é a violência, já que muitas não entendem, por exemplo, a diferença entre um toque de carinho e um toque de cunho sexual. Ao terem maior conhecimento, podem denunciar”, afirmou.

Juiz Arnaldo José Lemos de Souza | Foto: Divulgação

 Ele destacou ainda a necessidade do trabalho protetivo, quando elas fazem a denúncia na escola. Segundo o magistrado, as crianças sentem medo que alguma coisa ocorra com a família, que ela seja destruída. Muitas, então, ficam com receio de fazer a revelação. É necessário também o acolhimento familiar, e, para isso, é importante saber, em caso de abuso pelo pai ou padrasto, se a mãe, por exemplo, tem conhecimento dos fatos e é conivente.

Conforme explica a juíza Ailze Botelho Almeida, muitas vezes, as denúncias recebidas através da ouvidoria são desacompanhadas de um mínimo de provas, até mesmo de dados para identificação das vítimas e agressores, o que demanda um extenso trabalho de investigação pelas autoridades policiais, muitas vezes infrutíferas. “O Poder Judiciário é a última ponta da rede de proteção, cuja atuação tem início tão somente ao fim das atribuições policiais e do Ministério Público. O trabalho do Judiciário começa na aplicação de medidas de proteção, visando impedir o contato das crianças e adolescentes com seus agressores ou após a efetivação da ação penal”, explicou.

“É preciso uma consciência coletiva de que tratar crianças e adolescentes com atos de violência se constitui crime e necessita ser denunciado, ser levado às autoridades, não como cunho simples de punir os agressores, mas como forma de interromper e proteger”, enfatiza a juíza Sandra Mendonça.

A presidente da Associação dos Magistrados da Bahia, juíza Nartir Weber, lembra que é dever de todos contribuir para a inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral dos indefesos. Ela enfatiza a importância que todas as pessoas que tenham conhecimento de violência praticada contra criança e adolescente busquem denunciar, quer através do disque 100 ou de qualquer outro ator da rede de proteção. É possível suspeitar a violência ainda por meio dos sinais, físicos ou não, pelo olhar e escuta atenta, já que a criança ou adolescente pode se mostrar introvertida, com medo ou com alterações no comportamento. //BN

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