O cenário atípico que a pandemia do novo coronavírus impôs sobre o manejo dos recursos públicos para despesas com saúde não é prerrogativa para uso descontrolado e abusivo por partes de gestores municipais, alerta o presidente do Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia (TCM-BA), conselheiro Plínio Carneiro Filho.
“Qualquer desvio ou abuso terá a sanção prevista em lei”, afirma, ao pontuar que a Corte monitora os gastos a partir de um painel online, disponível também para acesso dos cidadãos.
O TCM também recorreu à tecnologia para a manter a rotina de sessões e julgamentos de contas durante o período de isolamento social. De acordo com o presidente, a tendência deve ser mantida após a pandemia porque ele considera haver mais transparência nos atos do tribunal, além de democratizar “as oportunidades de defesa, já que, mesmo de uma cidade distante, o interessado em determinado processo pode exercer o seu direito de defesa oral durante a sessão”.
Confira a entrevista completa:
BNews – Como tem sido a rotina de trabalho do TCM nesse período de quarentena? Continua a haver sessões para apreciação de contas?
Plínio Carneiro Filho – O Tribunal de Contas dos Municípios está em pleno funcionamento e cumpre todos os seus deveres com a Constituição e com a cidadania, orientando e fiscalizando a administração pública nos 417 municípios, que envolve nada menos que 1.009 órgãos, entre prefeituras, câmaras, fundações, consórcios, empresas e outras entidades públicas. Quando do início da pandemia, dia 20 de março, cumprindo orientação das autoridades de saúde para o isolamento social, o atendimento ao público passou a ser por meio eletrônico, as sessões dos órgãos colegiados foram temporariamente suspensas e parte dos nossos servidores passaram a fazer trabalho remoto. E suspendemos prazos processuais, e outros, para que os gestores municipais pudessem se adaptar à nova realidade.
Mas o TCM continuou em pleno funcionamento e os conselheiros a analisar e julgar – de forma monocrática – denúncias apresentadas à Corte, e em muitos casos, concederam medida liminar cautelar suspendendo processos licitatórios realizados pelas prefeituras baianas, de modo a evitar possíveis danos ao erário.
As sessões ordinárias do Pleno do TCM foram retomadas no dia 14 de abril, por meio eletrônico. Desde então, 14 sessões já foram realizadas e mais de uma centena de processos julgados. Com o objetivo de assegurar o mais amplo direito de defesa, o TCM criou um procedimento para que as partes interessadas ou seus procuradores legalmente constituídos – se desejarem – possam exercer o direito de sustentação oral durante as sessões. Isso tem permitido uma forte atuação dos advogados, principalmente aqueles que residem no interior do estado, e estão impedidos de se locomover até a capital em razão das medidas de restrição em função da pandemia. As sessões por meio eletrônico, têm permitido também, o acompanhamento por parte dos agentes políticos e por pessoas de todo o estado, o que é importante para a transparência e ótimo exercício de cidadania.
Graças às nossas ferramentas tecnológicas, os prazos puderam ser restabelecidos rapidamente e os gestores municipais podem prestar contas de seus atos administrativos com segurança. E o TCM funciona hoje plenamente, cumprindo seu dever de orientar e fiscalizar.
BNews – Como fica a Lei de Responsabilidade Fiscal nesse tempo de pandemia? Há algum tipo de flexibilização para os gestores?
Plínio Carneiro Filho – O Supremo Tribunal Federal, através do ministro Alexandre de Morais decidiu afastar a incidência dos artigos 14,16,17, e 24 da Lei de Responsabilidade Fiscal. A decisão monocrática já foi, inclusive, homologada pela maioria dos ministros do STF. O Congresso Nacional, através do Projeto de Lei Complementar 39/20 também aprovou a flexibilização da LRF, no seu artigo 42. Todas estas mudanças deverão repercutir no exame das contas de 2020 em consequência da pandemia do Covid 19. A PLP 39/20, no entanto, para entrar em vigor, ainda aguarda sanção presidencial.
BNews – Existem muitas denúncias de uso descontrolado e abusivo do dinheiro público em função dos decretos de calamidade em quase 400 municípios do estado. Como o senhor tem visto esse cenário atípico?
Plínio Carneiro Filho – Veja, as declarações de situação de calamidade pública nos diversos municípios baianos foram reconhecidas pela Assembleia Legislativa, em sua maioria, no início de abril, portanto há poucos dias. Apenas duas denúncias relacionadas a gastos em relação à pandemia foram apresentadas até agora ao TCM – e já começaram a ser analisadas. Se houver pedido de medida cautelar, o conselheiro relator vai julgar a pertinência e conceder ou não. As nossas Inspetorias de Controle Externo estão também atentas, e caso haja necessidade, poderá abrir um Termo de Ocorrência para apuração de eventual irregularidade. As contas dos municípios referentes ao mês de março ainda não foram analisadas pelo TCM, mas não há dúvida de que, qualquer desvio ou abuso terá a sanção prevista em lei.
BNews – Quais punições cabem, caso tais infrações se confirmem?
Plínio Carneiro Filho – Os gestores públicos municipais poderão sofrer penas de advertência, multa – e os valores podem ser expressivos –, e podem ser obrigados a ressarcir aos cofres municipais – com recursos próprios – os valores aplicados indevidamente ou desviados. E ainda sofrer representação aos ministérios públicos Estadual ou até mesmo Federal, em face das irregularidades identificadas para a apuração de eventuais crimes. Também poderá inferir no mérito das contas de 2020, quando de sua análise pelo TCM.
BNews – O tribunal criou um painel online para acompanhamento dos dados nos municípios. Os gestores têm abastecido esse sistema, eles têm sido transparentes?
Plínio Carneiro Filho – Os prefeitos e demais gestores públicos municipais têm demonstrado preocupação e responsabilidade com os gastos públicos neste período. Prova disso é que, desde o início, dezenas de consultas têm sido encaminhadas ao TCM em relação a procedimentos e ações administrativas que podem ou não ser adotadas neste período de situação reconhecida como de calamidade pública. Dúvidas sobre procedimentos licitatórios para aquisição de bens e serviços, contratação pessoal e outros. Designamos um grupo da Assessoria Jurídica do TCM, coordenado pelo assessor-chefe, Alessandro Macedo, para tirar todas as dúvidas dos gestores. Inúmeros pareceres já foram emitidos, e estão disponíveis no site do TCM para orientá-los e evitar possíveis irregularidades em suas ações.
Além disso, o TCM disponibilizou, em seu site, o “Painel de Informações Covid-19”, coordenado pela Diretoria de Assistência aos Municípios – DAM –, e que foi desenvolvido para instruir os jurisdicionados, servidores do TCM, assessores e demais interessados, sobre as alterações na legislação e nos procedimentos administrativos que foram aprovadas para facilitar as ações de combate à pandemia do coronavírus.
BNews – Há uma discussão sobre o adiamento das eleições municipais, inclusive com a possibilidade, ainda que baixa, da prorrogação de mandatos. Qual sua posição sobre esse tema? Havendo prorrogação, como ficam as contas dos municípios?
Plínio Carneiro Filho – A discussão foge à nossa competência. Cabe aos parlamentares, no Congresso Nacional, e à Justiça Eleitoral. Mas é preciso ressaltar que as eleições não alteram o exercício de fiscalização dos tribunais de contas. Analisamos as contas por exercício financeiro, e não importa se o gestor deste exercício seja o do próximo ou não. Há, evidentemente, algumas exigências legais específicas que devem ser obedecidas no último ano de mandado, como o artigo 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas na essência, pouco muda.
BNews – O Tribunal pensa em criar algum mecanismo diferente para julgar as contas referentes a esse período de pandemia ou procedimento será o mesmo usado para apreciar contas normais?
Plínio Carneiro Filho – A prestação das contas é anual, conforme previsto na Constituição do Estado da Bahia, e segue o rito previsto na Lei Orgânica e Regimento Interno do TCM/BA. E Todavia, diante da pandemia e das previsões da Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018, norma esta que alterou a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB, o TCM/BA deverá considerar, em suas decisões, os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, nas ações de combate à pandemia. Porém, sempre exigindo o completo respeito à Constituição Federal e às leis que regem os processos de contas. Para tal fiscalização o TCM utilizará os processos de fiscalização previstos no regimento interno em seu artigo 264, quais sejam: acompanhamento, realização de inspeções e auditorias, levantamentos e requisição de informações.
BNews – Depois dessa pandemia, o mundo será diferente em diversos aspectos. Qual prognóstico o senhor consegue fazer sobre o trabalho da Corte?.
Plínio Carneiro Filho – A tecnologia mostrou a sua importância no trabalho de controle externo que desenvolvemos. Graças às nossas ferramentas tecnológicas pudemos cumprir o nosso dever com a sociedade. O caminho é a inovação, a incorporação de novas tecnologias, de novos métodos de trabalho para melhorar a produtividade e cumprir fielmente nossas responsabilidades, expressas na Constituição. E vamos persistir nesta rota.
As sessões por meio eletrônico, que adotamos, mostrou-se um avanço, e é algo que deve permanecer. Elas aumentaram a transparência, democratizaram as oportunidades de defesa, já que, mesmo de uma cidade distante, o interessado em determinado processo pode exercer o seu direito de defesa oral durante a sessão. Permitiram o acompanhamento por parte dos cidadãos que podem, agora, julgar melhor a relevância dos órgãos de controle externo. Precisamos claro, nos aperfeiçoar, mas aprendemos na crise e vamos evoluir no sentido de cumprir ainda melhor nosso dever com a sociedade.
BNews